segunda-feira, 21 de maio de 2018

02. Flama





A chama não é tão clara pra si mesma
Quanto para quem ela ilumina
E mesmo a sombra que nos acompanha
Desaparece ausente a luz do dia

Quando um dia eu fui carvão verde,
Ardendo e estalando na floresta, eu era
Mais interessante que útil, agora
Eu sou muito mais imodesto, deveras

É preciso que o sábio saiba ver o sol em si mesmo
Sem que para isso ele tenha que cegar-se no espelho

A minha obra não sou eu próprio
Ainda que o coração me inflame
E toda a vida me dê cornucópia
Quanto a mim, tu não te enganes

Quanto a isso, não se exaspere:
Não se adianta a própria morte
Então, sede como o jambo: perfuma
O hálito da própria boca que o morde

É preciso dar à luz a sua mais elevada esperança
A qual se mantém viva alojada no útero da agonia

A flama consome a si mesma na vela
E ao fim da estrada em que cada um caminha,
O que há de bem e de mal nos portais
De um momento infinito se anela

Um verso, uma rima: florida guirlanda
Penduro na porta antes da partida
Ansiando pelo retorno a ciranda,
Rendendo sempre homenagens à vida

É preciso que o homem se entregue ao labor que perscruta
Criando forma mais bela, lapidando em si sua rocha bruta

É preciso que o herói tenha um par de olhos na nuca
Nem que pra isso ele deva pagar os olhos da cara

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