segunda-feira, 21 de maio de 2018

Juliano Berko — "Cave Musicam" (2018)


Capa 

 CAVE MUSICAM: 

“Ao prosseguir viagem, sozinho, eu tremia; não muito tempo depois, eu estava doente, mais que doente, cansado, pela invencível desilusão com tudo o que a nós, homens modernos, nos restava para nosso entusiasmo: energia, trabalho, esperança, juventude, amor, em toda parte dissipados; cansado por nojo ao que há de feminino e fanático-irrefreado nesse romantismo, a toda a idealista mendacidade e abrandamento de consciência [...]; cansado, enfim, e em não menor medida, pelo desgosto de uma inexorável suspeita — de que, após essa desilusão, eu estaria condenado a desconfiar mais profundamente, desprezar mais profundamente, ser mais profundamente só que até então. Minha tarefa — onde estava ela? Como? Não parecia então que minha tarefa recuava diante de mim, que por muito tempo eu não mais tinha direito a ela? Que fazer para suportar essa, a maior das privações? — Comecei por me proibir, radicalmente e por princípio, toda música romântica, essa arte ambígua, sufocante, fanfarrona, que despoja o espírito de todo rigor e contentamento e faz vicejar toda espécie de vago desejo, de esponjoso anseio. “Cave musicam” [Cuidado com a música] é meu conselho, ainda hoje, a todos aqueles viris o bastante para fazer questão de asseio nas coisas do espírito; essa música enerva, amolece, feminiza, seu “eterno-feminino” nos atrai — para baixo!... Contra a música romântica voltava-se então minha primeira suspeita, minha cautela seguinte;  e, se eu ainda esperava algo da música, isso se dava na expectativa de que aparecesse um músico suficientemente ousado, sutil, malicioso, meridional e transbordante de saúde para vingar-se imortalmente dessa música. —”
[F. Nietzsche, “Humano, Demasiado Humano II”, Prólogo, 3, 1886]

 
Contra-capa 
Juliano Berko
(2018)

Bateria e Teclados [Piano Eletrônico 2.6]; Guitarras, Baixo, Vozes; Todas as Letras & Todas as Músicas: Juliano Berko, 2018. Locução em “Blaß-Fêmea”: Google Girl. “Canção do Autoexílio” é satírica releitura de "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias (1823-1864).Gravado em Águas Claras, Brasília/DF, entre o verão e o outono de 2018. Capa: Edição sobre fotografia da escultura “Self-Made Man”, de Bobbie Carlyle (Jonathan Thorne/Wikimedia Commons); Anterior: Flamas (He Who Laughs Last/Wikimedia Commons); CD: One Man Band”, edição sobre fotografia da escultura “Imperador Juliano, o Apóstata” (LPLT/Wikimedia Commons) e guitarra flying V (Worms x/Wikimedia Commons). Encarte: 1) “Cave Musicam”, edição sobre símbolo-síntese de W. Reich (juancarlos/OpenClipArt); “Dama da Noite”, edição sobre estrela de Ishtar (AnonMoos/Wikimedia Commons); “Leão-Rei”, edição sobre insignia do Império do Irã, 1925-1979 (Sodacan/Wikimedia Commons); “Das Tripas Coração”, edição sobre vetor (Fibonacci/Wikimedia Commons); vetor de livro aberto (Benny Forsberg/Wikimedia Commons).

Juliano Berko, Outono de 2018.

Κατά τον δαίμονα εαυτού
(fiel ao seu próprio espírito)

In Memoriam:

Marielle Franco
“Os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas,
Mas jamais conseguirão deter a primavera inteira.”
(Che Guevara)

Contatos: 

julianoberko@gmail.com
Whatsapp: 061-99868-1165
https://www.facebook.com/ConcretoArmadoBSB/
https://soundcloud.com/julianoberko
http://oversolanoverso.blogspot.com.br/

01. Era Da Presunção




Há quem tema quem tenha sido “imposto”
E prefira em seu lugar um impostor
Que finge ser ungido de luz
Quando é recheado de pus

Há quem rastejando no esgoto veja
Menor aquele que voa mais alto
E prepare para ele uma cruz
E um inferno na Terra depois

Na era da presunção arde
A fogueira das vaidades
Não me perdoam que eu não inveje
Todas as suas pequenas virtudes

Pra baixo, todo santo ajuda
Pro alto, é um deus nos acuda
Chamam a frugalidade de pobreza
Pois, nunca saberão da minha riqueza 

Eu sigo sem eira nem beira
Vou dando nó em goteira
E quando eu voei para bem longe
Também me enojei da sua caveira

Já vejo queimar a grande cidade
Em uma gigantesca coluna de fogo
Talvez terá sido pela faísca
Que sempre salta dos meus olhos

— Me dou a liberdade de medir minha distância dos “cristãos” em anos-luz!
— E me reservo o direito de enfiar no rabo dessa gente sua cruz!
— Celebro o segredo consagrado à recôndita câmara do espírito!
— Nunca tendo sido um “cristão”, sempre têm me tomado pra Cristo!

02. Flama





A chama não é tão clara pra si mesma
Quanto para quem ela ilumina
E mesmo a sombra que nos acompanha
Desaparece ausente a luz do dia

Quando um dia eu fui carvão verde,
Ardendo e estalando na floresta, eu era
Mais interessante que útil, agora
Eu sou muito mais imodesto, deveras

É preciso que o sábio saiba ver o sol em si mesmo
Sem que para isso ele tenha que cegar-se no espelho

A minha obra não sou eu próprio
Ainda que o coração me inflame
E toda a vida me dê cornucópia
Quanto a mim, tu não te enganes

Quanto a isso, não se exaspere:
Não se adianta a própria morte
Então, sede como o jambo: perfuma
O hálito da própria boca que o morde

É preciso dar à luz a sua mais elevada esperança
A qual se mantém viva alojada no útero da agonia

A flama consome a si mesma na vela
E ao fim da estrada em que cada um caminha,
O que há de bem e de mal nos portais
De um momento infinito se anela

Um verso, uma rima: florida guirlanda
Penduro na porta antes da partida
Ansiando pelo retorno a ciranda,
Rendendo sempre homenagens à vida

É preciso que o homem se entregue ao labor que perscruta
Criando forma mais bela, lapidando em si sua rocha bruta

É preciso que o herói tenha um par de olhos na nuca
Nem que pra isso ele deva pagar os olhos da cara

03. Petit Faits





Quem não mais souber como subir
Que saiba cair
Quem se cansar de tanto andar
Melhor se calar
Quem não aprender a voar
Eu ensino a afundar
"Non legor, non legar" foi o que li
Em algum lugar

Eu já chorei as minhas pitangas,
Fui cão chupando manga
Hoje eu ponho as barbas de molho
E abro bem os olhos
Agora que sou um figo maduro,
De sangue mais rubro
Também sou um pau pra toda obra,
Mato e mostro a cobra!

Aprendi a falar, logo, não me calam;
Aprendi a escrever, agora não me param!
O que será de nós já está sendo:
Estamos, enfim, vivendo!

Quem procurar, mas não achar
Melhor criar!
Quem quiser o mal todo espantar
Melhor cantar
 “Cave musicam”, os sábios dirão
De guarda ante a canção
 “Sem música a vida seria um erro"
Disse um bocudo alemão!

Aprendi a andar, logo, me ponho a correr;
Aprendi a nadar, no escuro mergulho fundo
Para o desespero dos meus inimigos:
Eu ainda estou vivo!

04. One Man Band (Until The End)





I am addicted to life; I know it cut like a knife
I have to learn again to face my own disdain
I’m not afraid to carry a heavy weight
Proudly, my evilness remains shameless
I climbed so high, I opened doors
Once I was in need, now I don’t anymore
Have to ask, mirror on the wall,
I take off my mask, I’m the loneliest of them all:

One man band — until the end
One more song — to sing along
Stainless steel — at least I will
Have my destiny fulfilled
One more sound — to scream aloud
One more sky — to stare the clouds
Hold my sword — to say the word
I fly high under the moonlight
I will leave by night…

In desert that I cross, there is no hiding place,
Whatever I lost worth for a new pace
Away from scary scarecrow: who lost all higher hopes
And crawl throughout life like a living ghost
I am a lion, to become a child — my vow
I am milking my cow up to my call
 “I try very hard to be just like I am
But everyone wants you to be just like them”, but I am:

One man band — don’t need amend
Don’t take it wrong — I’ll sing my song
Electric eel — is how I feel
All I dreamed perhaps is real
One more sound — to be heartbound
One more sky — I laugh and cry
Hold my sword — to face the world
I fly so high under the moon
I will leave soon…

05. Dama Da Noite





Dama da noite
Estrela cadente
Resta evidente
Falso brilhante
Pétala olente
Raiz penetrante
Tão profundamente
Se instala em um instante
Doma o açoite
Culpa o inocente
Segue adiante
Traje indecente
Quer que eu cante
Como cantei antes
Canção decadente
Não é emocionante?
Celebre com a gente
Bebida espumante
Somos viventes
No escuro avante
O medo espante
Com um grito estridente
O olhar distante
Sangria demente
Se a dor é forte
Sofrer faz parte
Até à morte
Fazendo arte!

06. Das Tripas Coração





Meu amor é uma fênix: prefere morrer a viver eternamente
Me amar é um fardo: é assim — meu amor por mim

Quando eu amo eu quero com as dores do parto parir um deus
Na mira do dardo, um tiro certeiro, um peso pesado

Eu também sacrifiquei meu primogênito no fogo de um altar sacrificial:
Credor — pago com amor, pois criei assim o meu bem e meu mal

Inventei pra mim o meu cantar que me faz tirar leite das pedras
Das tripas coração, de onde tiro agora também esta canção

No calor da batalha, no meio da luta
Sou filho do sol e filho da puta
No silêncio da estrada, no meio do caminho
Sou imperador apóstata, o anticristo e o deus do vinho

Toda crítica é uma sedução; toda sedução: corrupção da juventude
Condena-me à cicuta a justiça com a sua força bruta!

Passei o dia inteiro fugindo da razão, além de negador, também fui a negação
Na hora mais silenciosa eu tive que dizer “não”

O martelo do juiz e o cassetete da polícia — mal sabem eles que pimenta é uma delícia!
E a educação pública é a “máscara de flandres” da nova república

Que não me ouçam eu perdoo, que não me escutem – é imperdoável
Enquanto vivo for, da colisão de consciências serei catalisador